Anteriormente, falamos sobre o quiet quitting, seus formatos e como combater este movimento, mas essa não é a única técnica que vem causando rebuliços por aí.

Assim como o quiet quitting ganhou um certo nível de reconhecimento recentemente com o aumento de sua prática dentro das empresas, o quiet firing também vem se fazendo notar. Porém, a polêmica em torno dessa prática adquiriu um teor bem mais complexo. Resta agora uma dúvida crescente sobre a legitimidade moral da técnica.

Portanto, na intenção de tornar possível nosso entendimento e enriquecer nossa discussão sobre as nuances que envolvem o tema do quiet firing, vamos começar com a conceituação do termo e analisar um pouco as ações que compõe essa técnica, e que vem levantando tantos questionamentos morais.

O que é o Quiet Firing?

O termo quiet firing pode ser traduzido como “demissão silenciosa”. Alguns dizem que seu surgimento está completamente atrelado ao aumento recente do uso da técnica de quiet quitting (desistência silenciosa), já que se refere a uma forma de “resposta” para o mesmo.

Logo, na prática, o quiet firing funciona da seguinte maneira: uma vez que incomodados com uma certa exposição nas redes sociais (movimento que tornou o quiet quitting viral) e com a dita “falta de dedicação” dos colaboradores adeptos dessa prática, algumas empresas decidiram construir ambientes de trabalho hostis e incômodos, gerando situações na rotina que, pouco a pouco, aumentassem neste empregado o desejo de se desligar da organização.

Portanto, ações como deixar profissionais de lado em projetos importantes, negar feedbacks ou utilizá-los propositalmente para frustrar e inibir a confiança, criar metas irreais e demonstrar constante insatisfação com elas, são algumas das abordagens utilizadas pelos gestores para desmotivar pessoas e que caracterizam este fenômeno de quiet firing. Dessa forma os gestores visam intensificar a insatisfação do colaborador e leva-lo a pedir sua rescisão.

Em suma, podemos entender que, se na aplicação do quiet quitting são os funcionários que tomam a iniciativa de pisar no freio voluntariamente e adotam uma postura mais reativa no trabalho, no quiet firing são as empresas que tomam medidas ativas e diretas para fazer com que o funcionário se sinta desvalorizado e peça para sair.

 

Mas e o contrato de trabalho?

Vale ressaltar que nenhuma das duas abordagens consiste necessariamente em uma quebra de contrato.  No quiet quitting, os funcionários adeptos apenas limitam suas ações ao mínimo acordado e abandonam a proatividade. Eles entregam um trabalho bom, no período de tempo combinado, porém sem sacrifícios de produtividade. No quiet firing, não são proferidos ataques verbais ou físicos de humilhação e depreciação, nem são descumpridos os direitos contratuais do colaborador. Sendo assim, trata-se de uma alteração de clima organizacional para uma abordagem mais exclusória em relação a um colaborador específico.

Porém, fica nítido que uma das técnicas pode ter repercussões prejudiciais a saúde psicológica do indivíduo. É aí que entramos em um terreno ainda indeterminado, onde a pergunta que impera é, o quiet firing pode ser considerado assédio?

 

Quiet firing pode ser considerado assédio?

Em um processo de demissão comum, existe um conjunto de regras e protocolos a serem seguidos. Esses, fortemente orientados pelo setor de Recursos Humanos da empresa para garantir os direitos e deveres de ambas as partes. Normalmente esse código de conduta diz respeito a um comportamento processual que engloba as exigências judiciais. Para além disso, existe toda uma preocupação com a abordagem da empresa para com o funcionário, considerando o impacto ‘emocional’ desse tipo de mensagem e valorizando a relação de troca estabelecida ali previamente.

Porém, quando se trata de quiet quitting e quiet firing o cenário muda. No primeiro, nem sabemos definir com certeza se a intenção final por parte do colaborador é a rescisão. A única coisa que podemos determinar de fato é que em ambas as abordagens o diálogo não é uma prioridade e às vezes nem mesmo uma intenção das partes. De forma geral, este é um comportamento bem inadequado para o clima organizacional da empresa e especialistas dizem ser sempre uma relação de perda.

 

É uma questão de poder

Quando analisamos de perto os conjuntos de ações de cada uma dessas práticas, no entanto, fica nítido o desequilíbrio de poder envolto na sua aplicação. Enquanto o quiet quitting pode ser um mecanismo de defesa do funcionário, afim de estabelecer limites mais saudáveis com o seu trabalho, e seu ápice é um descumprimento contratual que poderia levar a uma demissão por justa causa, o outro é uma forma de vingança contra o colaborador desmotivado, uma maneira infantil de responder a um problema real dos processos de gestão da organização, onde o princípio é humilhar, diminuir, inibir e acuar um subordinado, quase como um bullying profissional.

O que quero dizer é, o funcionário não possui recursos para resistir ao quiet firing. Se a empresa de fato adotar essa política, ela com certeza atingirá o seu objetivo de desligamento. Tudo com base em um processo moralmente questionável que não procura “tratar a doença, mas sim os sintomas”.

Em suma, uma empresa que escolhe se posicionar dessa maneira tem pouco ou nenhum respeito pelas necessidades de seus colaboradores, e não possui interesse em proporcionar evolução individual para os mesmos. Pois a verdadeira forma de combate ao quiet quitting está em estratégias de gestão e não em gatilhos psicológicos de humilhação, como já discutido aqui mesmo, no blog JobConvo, no artigo ‘Quiet Quitting: O Que Essa Tendência Representa Para O Mundo Profissional?’.

 

O que diz a Lei

Analisando de um ponto de vista legal, segundo a matéria do RH Pra Você, é preciso ter cuidado ao proferir acusações. A advogada Juliana Lira, especialista em Direito do Trabalho, ressalta que para constituir assédio moral deve haver repetição e que é a recorrência das práticas em torno do quiet firing que definiriam se determinado caso é assédio ou não. Segundo ela “se o quiet firing vai por um caminho de frequentemente impactar o emocional do colaborador, o assédio tende a estar, sim, presente”. Mas provar a recorrência deste tipo de conduta não é uma tarefa fácil.

Sendo assim, para definir como assédio moral um caso de quiet firing o colaborador alvejado precisa apresentar evidências que corroborem com a sua alegação de recorrência em práticas vexatória por parte da empresa em relação ao mesmo. Ainda sim, os encarregados de julgar o caso farão uma avalição circunstancial da a questão, ficando a cargo destes ponderar, interpretar e decidir por um veredito. Essa subjetividade e a própria burocracia e gastos legais, tornam difícil prever as nuances de um processo como este. Isso acaba inibindo os colaboradores que poderiam mover essa ação contrária a suas respectivas organizações. Mas isso não é um aval para práticas subversivas como esta.

 

Na dúvida, não faça!

Ou seja, independentemente estar enquadrada judicialmente, ou não, como assédio, a abordagem de quiet firing é repreensível, danosa e irresponsável. Ela reflete uma gestão ineficiente que não se justifica. Nem mesmo quando o funcionário em questão não tem interesse em reestabelecer uma boa conduta de proatividade e produtividade na empresa.

O uso do quiet firing é uma questão moral, no mínimo pessoal, daquele que imputa deliberadamente sofrimento sobre outro para satisfação de objetivos egoístas. A técnica vai contra todos os movimentos de humanização do ambiente de trabalho e pode inclusive prejudicar a cultura e o clima organizacional de uma empresa.

Para combater o quiet quitting, faça uso de estratégias de gestão. escolha dialogar e aproxime a sua equipe. Se você ataca colaboradores você aumenta a desmotivação que tanto prejudica a sua produtividade. Se você está realmente apto a gerir, você será capaz de encontrar formas melhores de administrar os conflitos de interesse entre empresa e funcionários.

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